quinta-feira, setembro 13, 2007

desaparecendo (n)o e então...




- e então ele disse: "há ausências que na ausência se presentificam. Como a tua."
-e então ela, comovida, disse: "a sério? estás mesmo a falar a sério?"
-e então ele disse: "é um jogo de palavras. Não existe nada de mais sério que um jogo de palavras."
E então ela nada disse. E começou a chorar.
-e então ele disse: "porque choras?"
-e então ela disse: "porque não existem palavras que substituam o curso descendente das lágrimas. E o seu sal."

E então ele calou-se. Nada mais disse. Até hoje.
Uns dizem que ele se tornou assassino. Outros dizem que se tornou poeta.
Deve dizer-se que estes que dizem isto estão ainda num jogo de palavras.
Curiosamente com sinónimos.

sexta-feira, agosto 31, 2007

Agradecido

Não se fazem de comentários "posts". Ou melhor, não se fazia. Porque este comentário do Zé Manel melhora muito mais o blogue que o que este merece não o deveria, também por isso, torná-lo post (quem quiser vê-lo pois que o procurasse). Mas, mesmo sabendo tudo isto e sabendo ainda que este comentário (agora "post") é (não sendo apenas) uma resposta ao comentário da minha querida Nieves (ver comentários ao "post" com o título "Para Mafalda"); vou colocá-lo aqui.

E Zé Manel, todos sabemos do teu brilhantismo em Filosofia (em particular na Estética e na crítica e análise a qualquer expressão artística; seja Cinema, Pintura, etc...); (aliás eu sei-o bem pois fui teu aluno e agora tenho a sorte de seres meu amigo), sabemos isso e o quanto difícil para nós é, por vezes, seguir todas as tuas referências; sabemos ainda, porque o vivemos já algumas vezes, o prazer que nos dás quando te sentas e tocas ao piano MAS CARAMBA, de uma vez por todas ouve-me: faz o que considero vital e não nos prives do que mais vital depois ainda consideraríamos: a Literatura. Podes dela gostar menos mas, "me da igual", egoisticamente sei que seria fantástico também aí "ouvir-te", lendo-te.
Além disto, é ela (a Literatura) que está enferma.
------------------------------------------------------------------------------

Fiquem com o texto:



José Manuel Martins disse...

Como Homero e Odisseus dedicaram o deles a Penélope, essa tecedeira de Ítaca que dia e noite escrevia na tela o guião implausível para o herói e para o seu poeta, desfiando-lhes os mares, os anos, as ilhas, as palavras. Toda a Odisseia consiste na peculiar forma de desaparecer que é a dessa ausente; nessa forma insuprimível (que funda todo um estilo)de Penélope desaparecer, que faz com que tudo o mais imparavelmente apareça - até que também ela própria por fim. A sua ausência é a força da remada, a bruma da manhã seguinte, a agonia sirénica, o seu perfil depois de vinte anos - é o segredo das formas aparecidas. Que ainda o seu mesmo aparecer persiste uma forma de desaparecer: pois ela, tal como alêtheia, é o feminino do aparecer. Longe de desaparecer, ela é o seu exacto contrário (assim como o feminino depara o masculino na tabela pitagórica): languesce, por essência e sem opção, n' "uma forma" ( ah, perdurante entre todas!...) de desaparecer; e o blogue, seu homónimo, já o sabia no que toca à metafísica refinada da presença evanescente e à sensação de adeus sem fim nutrida existencialmente pelo exercício subtil de uma fé apofática. Já o sabia no seu animus mental, imune aos supostos paradoxos e aos trocadilhos de perplexidade emitidos sobre a precariedade e pessimismo de um blogue que erradamente se suspeita "desistente". Só agora o sabe no seu arquétipo feminino, na sua significação segundo a anima: se há uma formadedesaparecer que é a do animus, a anima É umaformadedesaparecer.Daí a tendência hierogâmica.Umaformadedesaparecer só podia dedicar-se a uma forma de desaparecer que é a sua forma paradigmática. Ninguém têma por desaparecimentos ou desaparecidas.

domingo, agosto 26, 2007

desaparecendo em certos vídeos IV

Especialmente para o Álvaro, para que não diga que isto está depressivo.
Aquele abraço

quarta-feira, agosto 15, 2007

desaparecendo (n)as canções IV


Uma brincadeira, por causa de Joaquín Sabina.
.
.
.
.

Eu queria escrever à bebida que aqueceu o meu Inverno,

Ao pecado de Deus, ao ladrão, ao hotel, à maçã sem inferno;

A esta voz que é minha e não canta mas experimenta outra sorte,

À coragem de sair à rua para “boxear” a morte.


Aos tangos que sobrevivem, a um fado que morre de pena,

Ao Caín que esqueceu Abel por causa de Helena,

À flor arrancada do jardim num gesto infecundo,

A todos os que se esquecem de mim neste poço sem fundo.


Minha Afrodite, minha Musa, minha Eva

(as princesas não existem)

Meus amigos, meus matraquilhos, o “tal” lance livre,

Minha utopia, meu sonho proibido de viver só de amar-te,

Eu queria escrever ao café onde sem querer comecei a escutar-te.


Meu bloco de notas, minha chave da Lua, teu adeus, meu regresso,

Minha assassina que recarrega o revólver com um só beijo,

Não sabia que um tiro desses era tão profundo,

Nunca escreverei a canção mais bonita do mundo.


Eu queria escrever à cigana que já não lê as sinas,

Ás noites perdidas de tanto andar…pelas tuas esquinas,

Aos loucos dos bares, aos insanos filhos dos Quijotes

Ao monte das oliveiras onde beijam os Iscariotes,


A Chico Buarque, Dagermaan, Kafka, à face envergonhada,

À lágrima do Fevereiro que chorei quando me foi roubada,

Ao meu disco não feito que quebraste na minha cara,

Às boleias que quero apanhar…quando ninguém pára.


Livrei-me dos felizes tristes que seguem a moda,

Aprendendo nas aulas à noite dos whiskys sem soda,

Com um bilhete achado fiz um “tour” percorrendo uma boca,

Que farias tu se “Magdalena” se fosse como Joana “a louca” ?


Diante da Diana de Évora queimei as minhas bandeiras,

Se me perdes de vista então encontrar-me…não queiras,

Herdei um pacto de cavalheiros que não foi cumprido,

Naufragou o meu coração por um mar que já foi esquecido


(Eu queria fazer antes de Sabina)

a canção do bonito final, do pirata sem perna,

contra todos os sérios que me rodeiam na vida moderna,

a do álcool que alegra a alma do vagabundo,

a do verso brilhante que salva o poema moribundo

…e só pude escrever a canção mais falhada do mundo.

segunda-feira, agosto 13, 2007

Para Mafalda

Normalmente as coisas têm dedicatória.
Os blogues também deveriam ter.
O meu a partir de agora tem.

Para Mafalda.


(apenas retórica, pois na verdade apenas queria dedicar qualquer coisa a ela e não sabia o quê. Lá se foi a retórica)

domingo, agosto 12, 2007

desparecendo em certos vídeos III

Inevitavelmente, porque dramatiza, é irónico, é demagógico (mas no fundo um caótico e sentimental) Tonino. E,claro, porque (me) diverte.


domingo, agosto 05, 2007

Interrompo

Interrompo este silêncio aqui, silêncio este que vai durar mais uma semana, apenas para perguntar em voz escrita: deverá uma pessoa em Agosto ir a Portalegre?
(há dúvidas que realmente me atormentam)

sexta-feira, julho 27, 2007

obviamente

Já não escrevo nem coloco nada aqui há algum tempo.
Obviamente: estou de férias.

Acerca de certas pessoas (Rui P., etc.) não conseguirem colocar aqui comentários: não sei a que se deve.
Talvez a net vos conheça e como sabe que tendes mau-feitio...

sexta-feira, julho 13, 2007

apenas desaparecendo II

.

Chegados aqui sempre podemos dizer: - já estivemos mais longe!

.

quinta-feira, julho 12, 2007

desaparecendo (n)o pensar VI


O Quijote do Cervantes é inesgotável. Por mais que o tenhamos lido encontram-se sempre pérolas. A minha frase preferida é desse livro. Mas a que agora coloco aqui foi a última pérola encontrada, anteontem.
Dizem, referindo-se ao Quijote, no funeral deste: "De tanto viver a vida matou a morte".
Caramba, que pérola! Inverte todas as ordens colocando a posição natural do ser humano numa condição de não-vida (que há que matar). Essa é pois (aqui) a primeira instância onde o ser-humano, afinal, se encontra. Como a termina (como mata a morte em que está (rotinas, costumes, hábitos...))? Resposta genial porque não diz, simplesmente, "vivendo". Afirma uma dimensão última do acto de viver: "de tanto viver a vida...".
Só nos limites da vivência a morte por fim morre (e o sujeito vive, pois que a morte morreu).
Enfim, uma pérola. Ou então estou doido. Ou ambas as coisas para que se possam corresponder em projecção de sentido. E não sentirem-se sós.

quarta-feira, julho 11, 2007

uma forma de desaparecer V


Uma pessoa que muito estimo disse-me há dois ou três dias que o meu blog estava um tanto ou quanto depressivo (não foram bem estas as palavras; eu próprio estou a acrescentar generosidade à generosidade dele; por isso imaginem não apenas o que ele disse mas o que no fundo estava a dizer).
No entanto, desta vez, não concordo com ele. Não o vejo (ainda) como depressivo. E espero não vê-lo assim nunca.
O que pretendo, isso sim, é que seja demagógico, retórico, inconsequente. E que distraia.
Todavia, se está depressivo que mais me resta senão contar uma anedota? Resposta: Muitas coisas. Por isso ainda a não contarei.

quarta-feira, julho 04, 2007

desaparecendo (n)o pensar V


Borges dizia, no poema Singladura, que "cada tarde é um porto".
Ok.
Mas cada noite é um naufrágio.

terça-feira, junho 26, 2007

desaparecendo em certos vídeos II

E aqui está pois um clássico. Sublime, como todos deveriam ser. Trágico, como nenhum pode deixar de sê-lo.


domingo, junho 24, 2007

desaparecendo (n)as canções III


Sabem aquilo do primeiro encontro em que temos de dizer e ouvir e fazer uma data de parvoíces para que o encontro seja o mais perfeito possível??
Pois comigo não se passou nada disso.

Foi mesmo (quase) perfeito.

Naquela noite não choveu,
nem eu te tentei impressionar
contando-te falsas aventuras,
nem disseste "desculpa por chegar tarde".

Não te paguei a bebida,
nem tu passaste a porta primeiro,
não trocámos olhares cúmplices,
não me senti prisioneiro.

Não falámos da fome em África,
nem de animais, nem de Ecologia,
nem me aborreceste com perguntas,
nem tive de dizer o que não queria.

Não contámos anedotas,
não cantámos estúpidas canções,
não nos irritámos com os outros,
não fechámos opções.

Nem falámos do passado
tentando reconciliar nossas almas,
nem tive de ser psicólogo,
nem resolvemos nossos traumas.

Naquela noite não passeámos pela cidade
nem num portal nos surpreendeu a Lua,
nem me acendeste o cigarro,
nem me disseste "eu sou tua".

Nem eu te disse "eu sou teu",
nem prometemos alegrias,
nem discutimos sobre Signos
tentando prever os dias.

Naquela noite não te toquei no ombro,
nem nas tuas costas o meu dedo desenhou um coração,
nem me convidaste para a tua casa,
nem me despiste o blusão.

Nem terminámos os dois na cama,
que é onde terminam estas coisas,
ardendo juntos na fogueira
de suor e paixão e saliva, (espinhos com rosas).

Por isso não andes lamentando
o que podia ter acontecido e não aconteceu;
naquela noite em que tu faltaste
também não fui ao encontro eu!

sábado, junho 23, 2007

desaparecendo (n)o pensar IV


No Lobo das estepes, do H. Hesse, a personagem Hermínia, que mais tarde dirá ao personagem "principal" (Harry Haller) qualquer coisa como "ainda hei-de fazer com que te apaixones por mim, não há é pressa nenhuma", diz-lhe, ensinando-o, "qualquer homem que se aproxima de uma mulher arrisca-se a que ela se ria dele; é esse o preço. Assim que, caso dê para o torto, deixa-a mesmo rir-se de ti. E pronto."

Apetece-me dizer que, além de delicioso, expressar isto de forma mais fácil tornar-se-ia difícil.

segunda-feira, junho 18, 2007

uma forma de desaparecer V


Abrir a janela pela manhã e dizer "Bom dia".
E aparecer o Sol a responder "Bom dia".
E então perguntarmos: "Mas alguém está a falar contigo?"

segunda-feira, junho 11, 2007

Desaparecendo (n)os artigos para o jornal I


Mais fácil que roubar um doce a uma criança

Qual é a coisa mais fácil do mundo? Ninguém sabe. Sabemos, no entanto, que há muitas coisas fáceis. Como sabemos nós isto? Pela quantidade de vezes que ouvimos dizer: “isso é mais fácil que roubar um doce a uma criança”.

Sendo esta uma das expressões que nunca compreendi, compreendo ao menos que ela é um critério de verificação da facilidade das coisas. Significa qualquer coisa como: “roubar um doce a uma criança” é (quase) a expressão máxima da facilidade, logo, se afirmarmos que existem algumas coisas “até” mais fáceis que isso então essas coisas apenas podem corresponder ao grau máximo de facilidade possível.

Como é óbvio, as coisas ás quais não acrescentamos a qualidade de serem “mais fáceis que roubar um doce a uma criança” contém nelas algum tipo de obscura dificuldade. Mas essas não interessam agora para aqui. O que sim importa agora é ressalvar que, por via deste critério, podemos verificar que o mundo tem uma porção bastante grande (quase a totalidade das coisas) de coisas fáceis.

Diz a aprendiz de cozinheira para a chefe de cozinha: “como se temperam as amêijoas sem que elas percam aquele gosto a mar?”. Resposta: “Isso? Isso é mais fácil que roubar um doce a uma criança”. Ou, entre dois amigos, “viste o filme de ficção científica que deu na quarta-feira? Aquilo sim são efeitos especiais fantásticos”. Responde o outro: “Aquilo? Aquilo é mais fácil que roubar um doce a uma criança”. Ou entre dois cientistas: “Não consigo entender como a teoria leibniziana de “o melhor dos mundos possíveis” encaixa com o teorema de Fermat sem, claro, contradizer o corolário demonstrado por Einstein acerca das pequenas partículas”. Diz logo o outro: “A sério? Isso é mais fácil que roubar um doce a uma criança”.

Para o que quer que seja, passada a frustração de nos sentirmos primeiramente uns idiotas, temos a consolação (a alegria até) de que aquilo que desconhecemos e nos inquieta ser, no fundo, de resolução bastante fácil. Mais que roubar um doce a uma criança.

Podemos pois alegrar-nos. Há coisas (muitas, por sinal há muitas) muito fáceis. Todavia o que não compreendo nesta expressão é que eu sempre a havia entendido como irónica, nos melhores casos, ou como estupidez, na maioria das vezes. È que há aqui duas coisas, uma que realmente me intriga, a outra que eu simplesmente gostava de saber. Passo a partilhar. O que eu gostaria de saber, e faz-me confusão de ninguém se preocupar com isto cada vez que ouve a expressão “mais fácil que roubar um doce a uma criança” é: afinal quem anda a roubar doces ás crianças? Minto. Pois isso é fácil de saber. Quem diz a expressão é porque anda a roubar doces ás crianças. O que eu queria mesmo saber é: porque raio de motivo andam certas pessoas crescidas a roubar doces ás crianças? Não podem roubar os adultos? Ou as lojas? São “docicodependentes”? Possuem um alter-ego que corresponde ao oposto do Pai Natal? Quando eram crianças e estavam a comer um doce aparecia sempre um adulto malvado a roubá-lo?

Não faço a mínima ideia. A sério. Mas gostaria de saber.

Quanto ao que me intriga, e que me fazia pensar que a expressão só podia ser irónica, é a forma como eu observo as crianças.

“Mais fácil que roubar um doce a uma criança”? Mais fácil é entrar no sistema de segurança do F.B.I., pensava eu. As crianças devem armar logo um berreiro, uma dança tribal-carnavalesca que chama a atenção a quem esteja do outro lado da cidade. Perto delas os alarmes anti-roubo das melhores e mais seguras instituições americanas são pardais contentes na Primavera. Aqueles “trim-trim” irritantes e prolongados, em comparação com uma criança insatisfeita, são mais melodiosos e harmónicos que a voz do Sinatra a cantar o “My way”.

Acrescente-se ainda que, caso o roubo seja bem sucedido (o que eu duvido), a criança lembrar-se-à toda a vida do rosto do mal-feitor. Passa-a para o seu arquivo secreto dos “vilões mais procurados e condenados sem julgamento a uma rasteira bem dada seja onde seja que for encontrado”. Tenho a íntima certeza de que não há ficheiros da C.I.A. ou do K.G.B. tão bem organizados como o cérebro de uma criança no que diz respeito a quem as mal trata.

Por tudo isto penso que seria mais apropriado dizer, quando confrontados com um problema difícil, “estou aqui atrapalhado com isto, é até muito mais difícil que roubar um doce a uma criança”.

É verdade que poucas coisas há mais difíceis que roubar um doce a uma criança mas…mas mesmo assim ainda há algumas. Digo mais, passo a afirmar que enfrentaria a terrível e maquiavélica mente de uma criança (como explicar que afinal é apenas um doce?) e o risco (qual risco? A certeza absoluta) de humilhação eterna a que ela me sujeitaria se, dessa forma, conseguisse descobrir as coisas que passo a enumerar:

De que cor são os meus olhos vistos pelos teus? De que fala, através da espuma, o mar ao bater na areia? Porque vivemos entre o Céu e a Terra (não vivemos Na Terra, vivemos um pouco acima)? E porque existem tantas teorias? Porque se dividem as pessoas entre tantos partidos, religiões, costumes e teimosias? Porque necessito tanto do abraço dos meus amigos? Porque razão só os teus lábios são iguais aos meus, meu amor? Porque não consigo, mesmo queimando os neurónios, escrever um texto e arrancar através dele um sorriso a si, leitor?

Mas atenção, apenas por estas coisas, pela resposta a estas perguntas, eu roubaria um doce a uma criança. Podia ser que quando ela crescesse não me levasse a mal. Afinal ela perceberia que era (e é) do sentido da minha vida que se tratava (e trata). E isso as crianças perdoam. Só os adultos é que não.

quarta-feira, junho 06, 2007

desaparecendo (n)os sonetos II


Quem sangra por onde mais pode doer?
quem vive (sem viver) a alegria?
quem faz palavras-cruzadas para esquecer
que ninguém o espera no portão ao fim do dia?

quem leiloa as relíquias da memória?
quem fez xeque-mate ao teu passado?
com que unhas amarraste aquela história
do martini naquele olhar já misturado?

que super-herói é o teu preferido?
como se explica esta loucura num só grito?
onde escondeste a cicatriz dessa paixão?

que cigana leu a tua vida?
quem planta na Lua uma margarida?
quem me "descoraçona" o coração?

.

domingo, junho 03, 2007

uma forma de desaparecer IV



Uma das minhas frases preferidas ouvi-a em 1992, na Universidade Nova, em Lisboa.
Disse-a o Pedro Paixão. É, simplesmente: "os homens felizes só em milagres acreditam".
Volta e meia, desde que a ouvi, ela volta-me à cabeça. "os homens felizes só em milagres acreditam".

Basta a frase para a achar fantástica mas se a pensar um pouco mais ...

"os homens felizes só em milagres acreditam". Mas o que vem a ser um milagre? Uma excepção. E quem faz milagres? Deus. E quem é Deus? Uma excepção. Deus, a excepção de si próprio.

Acredito nisto. Acredito nisto como se de um milagre se trate. Porque só em milagres acredito. Ou em excepções.

quarta-feira, maio 30, 2007

uma forma de desaparecer III

Na grande maioria das vezes em que estou sem uma caneta (menos vezes sem papel) ocorre-me algo que penso dever escrever. Funciona isto de forma inversa em relação ás vezes em que possuo uma caneta (menos vezes com papel) onde nada me ocorre para ser escrito. (ainda escrevo tudo primeiro em papel e com caneta e só depois passo, o que é para passar, a computador).
Dou voltas à cabeça, percorro os labirintos cerebrais e os da alma em busca do que havia pensado (ou sentido) e ... nada. Nada. Nem o que havia pensado, nem o que havia sentido, nem imagens aproximativas disso e, pior que tudo, nem sequer labirintos.
Apenas há uma recta, povoada de luz e claridade e, por isso mesmo, apenas um vazio. Vazio que se rodeia de vazio.
Como toda a gente sabe: o difícil não é ser claro, ou haver claridade, o difícil é "aí" ocorrer o Sol.
Quando, tal como me acontece nas vezes em que possuo caneta (menos vezes com papel) tudo é de tal forma clara, ao ponto óbvio de nada existir, quando, dizia eu, não existe a possibilidade (porque ocorrer ou não é incontrolável) de fazer aparecer o Sol com a escrita deveremos ainda assim escrever? Penso que não. Ao menos eu desisti de escrever sem que essa possibilidade do Sol acontecer exista.
Porque escrever deve ser um conflito de luzes e sombras, de descidas e subidas, de um perdermo-nos na inútil tarefa de tentar compreender as coisas e o mundo. E de nos encontrarmos, ou alguém encontrar-se, na resposta, mais ou menos inquietante, à questão que nos fez começar a escrever. Ou seja, de nos encontrarmos, ou alguém encontrar-se, nesse aparecimento do Sol.
Eis porque penso que não se deve escrever quando se está como eu estou: com um vazio rodeado de vazio, sem um (ao menos um!) labirinto expressável, fosse do cérebro ou da alma; apenas com uma estúpida recta de...nada. Em resumo: sem a mínima possibilidade (porque ocorrer ou não é incontrolável) de acontecer "aqui" o Sol.
Eu, de escrever nesta forma, desisti. O que, por fim, demonstra o meu bom senso.
E, no entanto...
E no entanto estou aqui a escrever.
Não se deixem confundir: eu desisti mesmo (tal como de outras coisas da vida). Eu tenho, por fim, bom senso.
Eu desisti. Apenas (tal como de outras coisas da vida) não resisti.

quinta-feira, maio 24, 2007

desaparecendo (n)as canções II


porque isto estava prometido à Sílvia e à Susana, uma brincadeira tipo anúncio de jornal em forma de canção, de um sujeito a procurar alguém pelo jornal.

Pois, uma semana depois aqui vai, caso fosse eu diria isto no jornal:
(e a dívida fica paga, beijinhos)

Anúncio de jornal.

Cavalheiro com idade p`ra viver
com penteado tonto, uma vaidade,
o passado resolvido e muita vontade
já sabe vossa excelência de quê.

Informal, ilustrado, manejável,
menos amigo do Céu que do Inferno,
com duas úlceras e uma inexplicável
má saúde de ferro.

Solicita (com fins pouco sérios)
senhora aficionada a divertir-se
ou "senhorita", entre os quinze e os 35
se não gostar do Domingo.

As cartas à República Portuguesa
Avenida D. João primeiro
com fotos que prefiro
sozinha e de corpo inteiro;
em resposta à sua carta irá a minha
com fato negro e mais alucinado
que um Sábado sem tabaco

Aceitam-se feministas, mas sem cartazes,
Mulheres enamoradas do amor,
ou pessimistas fartas de estarem fartas
de dizer que não ao "calor"

Igual para mim mulher analfabeta
ou especialista em Borges e em Maquiavel
Desde que não me chateiem a cabeça
com o último inédito de Thomas Mann

Disposto a tudo, inclusive a defraudar-te
alérgico ao desporto, ao relógio e à oração
com um precoce talento para a arte
da ejaculação.

Animem-se freiras de clausura,
abstenham-se fanáticas e abstémias
a paixão com controle de alcoolémia
é demasiado pura.

Poderá procurar amantes de ocasião
quando a minha decadência a faça sentir só
desde que tragam referências e me deixem
ganhar ao dominó.

Às interessadas asseguro:
máxima Indescrição, pouco juízo,
boa conversação, beijos com riso,
e noites...sem futuro.

cartas à avenida do Mal Viver
também chamada dos Sonhos Perdidos
adicione um par de fotos, de frente e de perfil, mas sem peitos caídos,
em resposta à sua carta irá a minha
com fato negro e mais alucinado
que um Sábado sem tabaco.

quinta-feira, maio 17, 2007

desaparecendo (n)o pensar III


Há um limite para.
Há um limite para se ser profundo. Há um limite para se ser subtil. Há um limite para se ser bom observador. Há um limite para.
Temos de mover-nos num mundo de limites ("condições de possibilidade" diria Kant) para a viabilidade de se ser (de ser-se; ou, mais bem, de sermos).
O limite da profundeza é a escuridão. O da subtileza o do filamento invisível. O da observação o do microscópio electrónico. Mas tudo no humano é assim. Para lá de certos limites é a confusão, a gratuidade, a loucura. Assim o grande amor só se reconhece na morte ou o excesso da razão no sofisma, ou absurdo, ou impensável.
Todo o excessivo no humano é desumano ou degenerescência ou vazio. Mas que há de grandioso no humano senão o excesso de si? E é decerto aí que habita Deus. Ou mais para lá.

terça-feira, maio 15, 2007

apenas desaparecendo I

Há algum tempo que nada escrevo aqui. Isso deve-se, essencialmente, por ter prometido a uma pessoa escrever-lhe aqui.
Estranho? Mais estranha é a vida. E tu no meio dela.

sexta-feira, maio 11, 2007

desaparecendo em certos vídeos I

Agora sim já está resolvida a forma de colocar aqui os vídeos de forma directa (obrigado mais uma vez Zé Pedro) e portanto aqui fica Malevaje...porque é do melhorzito que há. Bem, talvez não seja do melhorzito, mas para mim sim.
Isso é-me suficiente.
(agora já não tens desculpa para não veres, Susana)

MALEVAJE

terça-feira, maio 08, 2007

uma forma de desaparecer II

(...)
"O que vês, escreve-o" Apoc., I, 11
(...)

desaparecendo (n)o pensar II

Espanha

Vivi em Espanha algum tempo. E posso dizê-lo agora de forma muito clara: gosto de Espanha. Gosto daquela gente. E, sendo certo que não gosto muito de dizer o quanto gosto daquilo que gosto, Espanha, em especial Múrcia, tem qualquer coisa de miraculoso. Desde o café Zalacaín (onde por favor dos espanhóis escutei um velho disco de Amália e duas canções de Zé Mário Branco, e onde na verdade fiz a minha tese; sempre preferi os cafés ás bibliotecas), ao teatro Romea, ao Ítaca, a la Plaza Domingo, ás ruas povoadas de gente até noites que terminavam de manhã. A livraria preferida, o rincón mais desencontrado, a "espécie" de mota que na primeira vez que tentei conduzi-la me mandou para o hospital (acabei por dominá-la, ao menos dei-a antes de voltar, tipo presente envenenado), e ao fantástico nome da rua em que vivi: Calle Calvario.
A minha estadia em Espanha foi tudo menos um calvário (embora todos os homens, até os sem Evangelho, têm o seu Monte das Oliveiras; como o disse Camus). E depois aquela gente. A rapariga da padaria, desencatada com a vida mas cantando ao vender pão. O Paco. A Nieves, o Victor, etc...
E claro "mi hermana Carmen".
E livros, muitos muitos livros.
Gosto de Espanha, como gosto de uma puta que se enamora. Gosto da Espanha de barba peregrina, que é cristã mas que falta à missa das doze, que joga ao "mus", que dorme a sesta, que começa a beber litros de cerveja ás nove da manhã, que dança, que grita, que se diverte, e que cala as lágrimas.
Gosto de Espanha mas, o mais estranho de tudo, é que gosto de gostar dela.
(um dia destes tenho e escrever a sério sobre Espanha aqui)

terça-feira, maio 01, 2007

desaparecendo (n)as canções I


Aquela noite tão breve
(de brevidade total)
com persistência persiste
de forma muito mais triste
que uma alegria mortal.

Foi tão rápida, tão fugaz,
que não entendo a razão
deste abismo tão mordaz,
deste negro tão lilás,
que tem a cor da paixão.

Agora resta saudade
(estou como uma ovelha sem lã)
por causa da brevidade
da noite (que contra-vontade)
terminou ás dez da manhã.

Mas mais do que este vazio
há em mim a teimosia
que esse Verão que foi frio
esse naufrágio no rio
foi a minha maior alegria.

Por isso repito dizendo:
num relógio o que destoa
são os ponteiros em andamento!
E há algo em mim ciumento
não da noite, da aurora.

Foi a mais imperfeita Lua,
o mais imperfeito Sol,
mas nessa noite qualquer rua
era só minha, só tua
debaixo do teu lençol.

desaparecendo (n)as cartas de amor I


O amor. Não há maravilha igual. Sem saberes como, o Paraíso. Lembras-te do Paraíso? Foi no começo de tudo.

Queres saber quem sou? Queres saber quem é aquele que isto te escreve? Eu sou o que te olha e espia para te recolher e depois guardar num lugar que é só meu. Para isso serve o papel. O resto não precisas de saber. Nem convém. Só te ia distrair, podes acreditar. Eu sou o que mergulha as mãos na tua vida...para sentir a minha a voltar.

O amor. Não há maravilha igual. Sem saberes como, o Paraíso. Lembras-te do Paraíso? Foi no começo de tudo.

sexta-feira, abril 27, 2007

desaparecendo (n)os sonetos I


O pior do amor quando termina
é o esperar a esperança que passou
é o livro, o C.D., a letra, a linha
é ver só a merda a que nunca se olhou.
O pior da paixão quando se perde
é o riso que já não sabe rir
é o gesto que todo o mundo impede
é não querer ficar...não querendo ir.
É a toalha que já só tem um suor
é a cara seca das lágrimas de dor
é o coração que não sabe já bater.
O pior da entrega quando acaba
é a mesa que só tem uma faca
é continuar vivo, é não morrer!

MAS

o melhor do amor quando começa
é o sonho que se sonha quando acordado,
é para nada do que existe ter pressa
é imaginar o que não é imaginado.
É olhar sem ver o que se olha
é mastigar sem comer o que se come
é levantar cedo e perder a hora
é esquecer das coisas o seu nome.
É estar preenchido mais do que é possível
é ter mais prazer do que existe de aprazível
é o coração que não sabe já bater.
O melhor da paixão quando dispara
é não ter medo de nenhuma bala
é continuar vivo, é não morrer!

quarta-feira, abril 25, 2007

segunda-feira, abril 23, 2007

desaparecendo (n)o pensar I



Li, faz algum tempo, que o Miguel Torga se recusou a encontrar com Sartre quando este aqui esteve em 1975 por ser um "francês intelectual" que apenas passeava a sua recusa ao Nobel e o seu "tédio vanguardista". Não é divino? Que nobreza de carácter. Que coisa rara neste lamaçal moderno de baixeza, hipocrisia, piadas que falam sempre do mesmo e tudo o mais que prima pela facilidade. Eu que pensava que exemplos destes de dignidade, de dizer não ao facilitismo, quer seja hipócrita, demagogo ou "humorístico", eram só para uso dos ancestrais, quando o outro pôs a corda ao pescoço e foi ter com o rei castelhano para ele a puxar. Ou quando o outro, que também aprendemos na escola, foi entregar as chaves do castelo ao rei morto para que este abrisse a porta.
Estamos todos a ver bem a cara do pobre Sartre, acabrunhado de vergonha quando lhe foram levar a triste nova de que o Miguel lhe não queria sequer ver a fronha. Possivelmente, de inicio Sartre não acreditou, pensando ser brincadeira, e ainda terá dito: "Pois quê, o Miguel? O Miguel Torga? O Adolfo? Um tipo que eu adoro?" A sério, era verdade, não queria recebê-lo.
Coitado do Sartre, e ele veio lá dos infernos espreitar o Adolfo ao peito, trocar com ele ideias cimeiras sobre o destino do Mundo, para o indecente se negar assim a ter com ele um frente-a-frente fraterno. De certeza que o infeliz do Sartre meteu mesmo os seus empenhos para o outro não ser tão obstinado no seu ressentimento e quebrar na sua dureza nem que fosse por uns minutos históricos. Torga não cedeu. E ainda imagino que deve ter mandado dizerem a Sartre para meter o tédio onde muito bem deve saber, que nós cá na Lusitânia de Trás-os-Montes se temos tédio resolvemo-lo bebendo um litro.
Este Torga! Tão doce! Viveu quase um século a tratar todos os génios por tu. A fazer olhos tenebrosos e a clamar "sou rebelde! sou rebelde!". Pois quem julgava o idiota do Sartre que ia encontrar pela frente? Eram oitocentos anos de portugalidade, ò imbecil, que estavam metidos ali, nos ossos de Torga. Estava lá tudo o que somos e o que produzimos. Não é esta palhaçada. Era a coragem, a vontade, as tripas, o esófago e o barro. Eram bons deuses e espessura da mioleira para pensar.
Coitado do Sartre. Veio ele por aí abaixo, lá dos píncaros do Espírito até ao pedregal lusitano só para falar com o Adolfo. E o outro, muito trombudo, cerrado na sua obstinação: " - não e não. Esse é o tal que anda por aí a pregar o tédio vanguardista. Não o quero" O Torga. Que ternura!

quinta-feira, abril 19, 2007

desaparecendo (n)o amor I



“Sabes aquilo que se diz, a cara-metade? A minha cara-metade? E se a pessoa que nos completa é mais do que a nossa metade? Se sem ela somos um terço, ou um quarto, ou menos? E se a nossa cara-metade for bastante mais que a nossa metade? Se for demais para nós? E se em vez de nos acrescentar, ela nos tira?”

Filipe Homem Fonseca, Azul a Cores