terça-feira, junho 26, 2007

desaparecendo em certos vídeos II

E aqui está pois um clássico. Sublime, como todos deveriam ser. Trágico, como nenhum pode deixar de sê-lo.


domingo, junho 24, 2007

desaparecendo (n)as canções III


Sabem aquilo do primeiro encontro em que temos de dizer e ouvir e fazer uma data de parvoíces para que o encontro seja o mais perfeito possível??
Pois comigo não se passou nada disso.

Foi mesmo (quase) perfeito.

Naquela noite não choveu,
nem eu te tentei impressionar
contando-te falsas aventuras,
nem disseste "desculpa por chegar tarde".

Não te paguei a bebida,
nem tu passaste a porta primeiro,
não trocámos olhares cúmplices,
não me senti prisioneiro.

Não falámos da fome em África,
nem de animais, nem de Ecologia,
nem me aborreceste com perguntas,
nem tive de dizer o que não queria.

Não contámos anedotas,
não cantámos estúpidas canções,
não nos irritámos com os outros,
não fechámos opções.

Nem falámos do passado
tentando reconciliar nossas almas,
nem tive de ser psicólogo,
nem resolvemos nossos traumas.

Naquela noite não passeámos pela cidade
nem num portal nos surpreendeu a Lua,
nem me acendeste o cigarro,
nem me disseste "eu sou tua".

Nem eu te disse "eu sou teu",
nem prometemos alegrias,
nem discutimos sobre Signos
tentando prever os dias.

Naquela noite não te toquei no ombro,
nem nas tuas costas o meu dedo desenhou um coração,
nem me convidaste para a tua casa,
nem me despiste o blusão.

Nem terminámos os dois na cama,
que é onde terminam estas coisas,
ardendo juntos na fogueira
de suor e paixão e saliva, (espinhos com rosas).

Por isso não andes lamentando
o que podia ter acontecido e não aconteceu;
naquela noite em que tu faltaste
também não fui ao encontro eu!

sábado, junho 23, 2007

desaparecendo (n)o pensar IV


No Lobo das estepes, do H. Hesse, a personagem Hermínia, que mais tarde dirá ao personagem "principal" (Harry Haller) qualquer coisa como "ainda hei-de fazer com que te apaixones por mim, não há é pressa nenhuma", diz-lhe, ensinando-o, "qualquer homem que se aproxima de uma mulher arrisca-se a que ela se ria dele; é esse o preço. Assim que, caso dê para o torto, deixa-a mesmo rir-se de ti. E pronto."

Apetece-me dizer que, além de delicioso, expressar isto de forma mais fácil tornar-se-ia difícil.

segunda-feira, junho 18, 2007

uma forma de desaparecer V


Abrir a janela pela manhã e dizer "Bom dia".
E aparecer o Sol a responder "Bom dia".
E então perguntarmos: "Mas alguém está a falar contigo?"

segunda-feira, junho 11, 2007

Desaparecendo (n)os artigos para o jornal I


Mais fácil que roubar um doce a uma criança

Qual é a coisa mais fácil do mundo? Ninguém sabe. Sabemos, no entanto, que há muitas coisas fáceis. Como sabemos nós isto? Pela quantidade de vezes que ouvimos dizer: “isso é mais fácil que roubar um doce a uma criança”.

Sendo esta uma das expressões que nunca compreendi, compreendo ao menos que ela é um critério de verificação da facilidade das coisas. Significa qualquer coisa como: “roubar um doce a uma criança” é (quase) a expressão máxima da facilidade, logo, se afirmarmos que existem algumas coisas “até” mais fáceis que isso então essas coisas apenas podem corresponder ao grau máximo de facilidade possível.

Como é óbvio, as coisas ás quais não acrescentamos a qualidade de serem “mais fáceis que roubar um doce a uma criança” contém nelas algum tipo de obscura dificuldade. Mas essas não interessam agora para aqui. O que sim importa agora é ressalvar que, por via deste critério, podemos verificar que o mundo tem uma porção bastante grande (quase a totalidade das coisas) de coisas fáceis.

Diz a aprendiz de cozinheira para a chefe de cozinha: “como se temperam as amêijoas sem que elas percam aquele gosto a mar?”. Resposta: “Isso? Isso é mais fácil que roubar um doce a uma criança”. Ou, entre dois amigos, “viste o filme de ficção científica que deu na quarta-feira? Aquilo sim são efeitos especiais fantásticos”. Responde o outro: “Aquilo? Aquilo é mais fácil que roubar um doce a uma criança”. Ou entre dois cientistas: “Não consigo entender como a teoria leibniziana de “o melhor dos mundos possíveis” encaixa com o teorema de Fermat sem, claro, contradizer o corolário demonstrado por Einstein acerca das pequenas partículas”. Diz logo o outro: “A sério? Isso é mais fácil que roubar um doce a uma criança”.

Para o que quer que seja, passada a frustração de nos sentirmos primeiramente uns idiotas, temos a consolação (a alegria até) de que aquilo que desconhecemos e nos inquieta ser, no fundo, de resolução bastante fácil. Mais que roubar um doce a uma criança.

Podemos pois alegrar-nos. Há coisas (muitas, por sinal há muitas) muito fáceis. Todavia o que não compreendo nesta expressão é que eu sempre a havia entendido como irónica, nos melhores casos, ou como estupidez, na maioria das vezes. È que há aqui duas coisas, uma que realmente me intriga, a outra que eu simplesmente gostava de saber. Passo a partilhar. O que eu gostaria de saber, e faz-me confusão de ninguém se preocupar com isto cada vez que ouve a expressão “mais fácil que roubar um doce a uma criança” é: afinal quem anda a roubar doces ás crianças? Minto. Pois isso é fácil de saber. Quem diz a expressão é porque anda a roubar doces ás crianças. O que eu queria mesmo saber é: porque raio de motivo andam certas pessoas crescidas a roubar doces ás crianças? Não podem roubar os adultos? Ou as lojas? São “docicodependentes”? Possuem um alter-ego que corresponde ao oposto do Pai Natal? Quando eram crianças e estavam a comer um doce aparecia sempre um adulto malvado a roubá-lo?

Não faço a mínima ideia. A sério. Mas gostaria de saber.

Quanto ao que me intriga, e que me fazia pensar que a expressão só podia ser irónica, é a forma como eu observo as crianças.

“Mais fácil que roubar um doce a uma criança”? Mais fácil é entrar no sistema de segurança do F.B.I., pensava eu. As crianças devem armar logo um berreiro, uma dança tribal-carnavalesca que chama a atenção a quem esteja do outro lado da cidade. Perto delas os alarmes anti-roubo das melhores e mais seguras instituições americanas são pardais contentes na Primavera. Aqueles “trim-trim” irritantes e prolongados, em comparação com uma criança insatisfeita, são mais melodiosos e harmónicos que a voz do Sinatra a cantar o “My way”.

Acrescente-se ainda que, caso o roubo seja bem sucedido (o que eu duvido), a criança lembrar-se-à toda a vida do rosto do mal-feitor. Passa-a para o seu arquivo secreto dos “vilões mais procurados e condenados sem julgamento a uma rasteira bem dada seja onde seja que for encontrado”. Tenho a íntima certeza de que não há ficheiros da C.I.A. ou do K.G.B. tão bem organizados como o cérebro de uma criança no que diz respeito a quem as mal trata.

Por tudo isto penso que seria mais apropriado dizer, quando confrontados com um problema difícil, “estou aqui atrapalhado com isto, é até muito mais difícil que roubar um doce a uma criança”.

É verdade que poucas coisas há mais difíceis que roubar um doce a uma criança mas…mas mesmo assim ainda há algumas. Digo mais, passo a afirmar que enfrentaria a terrível e maquiavélica mente de uma criança (como explicar que afinal é apenas um doce?) e o risco (qual risco? A certeza absoluta) de humilhação eterna a que ela me sujeitaria se, dessa forma, conseguisse descobrir as coisas que passo a enumerar:

De que cor são os meus olhos vistos pelos teus? De que fala, através da espuma, o mar ao bater na areia? Porque vivemos entre o Céu e a Terra (não vivemos Na Terra, vivemos um pouco acima)? E porque existem tantas teorias? Porque se dividem as pessoas entre tantos partidos, religiões, costumes e teimosias? Porque necessito tanto do abraço dos meus amigos? Porque razão só os teus lábios são iguais aos meus, meu amor? Porque não consigo, mesmo queimando os neurónios, escrever um texto e arrancar através dele um sorriso a si, leitor?

Mas atenção, apenas por estas coisas, pela resposta a estas perguntas, eu roubaria um doce a uma criança. Podia ser que quando ela crescesse não me levasse a mal. Afinal ela perceberia que era (e é) do sentido da minha vida que se tratava (e trata). E isso as crianças perdoam. Só os adultos é que não.

quarta-feira, junho 06, 2007

desaparecendo (n)os sonetos II


Quem sangra por onde mais pode doer?
quem vive (sem viver) a alegria?
quem faz palavras-cruzadas para esquecer
que ninguém o espera no portão ao fim do dia?

quem leiloa as relíquias da memória?
quem fez xeque-mate ao teu passado?
com que unhas amarraste aquela história
do martini naquele olhar já misturado?

que super-herói é o teu preferido?
como se explica esta loucura num só grito?
onde escondeste a cicatriz dessa paixão?

que cigana leu a tua vida?
quem planta na Lua uma margarida?
quem me "descoraçona" o coração?

.

domingo, junho 03, 2007

uma forma de desaparecer IV



Uma das minhas frases preferidas ouvi-a em 1992, na Universidade Nova, em Lisboa.
Disse-a o Pedro Paixão. É, simplesmente: "os homens felizes só em milagres acreditam".
Volta e meia, desde que a ouvi, ela volta-me à cabeça. "os homens felizes só em milagres acreditam".

Basta a frase para a achar fantástica mas se a pensar um pouco mais ...

"os homens felizes só em milagres acreditam". Mas o que vem a ser um milagre? Uma excepção. E quem faz milagres? Deus. E quem é Deus? Uma excepção. Deus, a excepção de si próprio.

Acredito nisto. Acredito nisto como se de um milagre se trate. Porque só em milagres acredito. Ou em excepções.