sexta-feira, abril 27, 2007

desaparecendo (n)os sonetos I


O pior do amor quando termina
é o esperar a esperança que passou
é o livro, o C.D., a letra, a linha
é ver só a merda a que nunca se olhou.
O pior da paixão quando se perde
é o riso que já não sabe rir
é o gesto que todo o mundo impede
é não querer ficar...não querendo ir.
É a toalha que já só tem um suor
é a cara seca das lágrimas de dor
é o coração que não sabe já bater.
O pior da entrega quando acaba
é a mesa que só tem uma faca
é continuar vivo, é não morrer!

MAS

o melhor do amor quando começa
é o sonho que se sonha quando acordado,
é para nada do que existe ter pressa
é imaginar o que não é imaginado.
É olhar sem ver o que se olha
é mastigar sem comer o que se come
é levantar cedo e perder a hora
é esquecer das coisas o seu nome.
É estar preenchido mais do que é possível
é ter mais prazer do que existe de aprazível
é o coração que não sabe já bater.
O melhor da paixão quando dispara
é não ter medo de nenhuma bala
é continuar vivo, é não morrer!

quarta-feira, abril 25, 2007

segunda-feira, abril 23, 2007

desaparecendo (n)o pensar I



Li, faz algum tempo, que o Miguel Torga se recusou a encontrar com Sartre quando este aqui esteve em 1975 por ser um "francês intelectual" que apenas passeava a sua recusa ao Nobel e o seu "tédio vanguardista". Não é divino? Que nobreza de carácter. Que coisa rara neste lamaçal moderno de baixeza, hipocrisia, piadas que falam sempre do mesmo e tudo o mais que prima pela facilidade. Eu que pensava que exemplos destes de dignidade, de dizer não ao facilitismo, quer seja hipócrita, demagogo ou "humorístico", eram só para uso dos ancestrais, quando o outro pôs a corda ao pescoço e foi ter com o rei castelhano para ele a puxar. Ou quando o outro, que também aprendemos na escola, foi entregar as chaves do castelo ao rei morto para que este abrisse a porta.
Estamos todos a ver bem a cara do pobre Sartre, acabrunhado de vergonha quando lhe foram levar a triste nova de que o Miguel lhe não queria sequer ver a fronha. Possivelmente, de inicio Sartre não acreditou, pensando ser brincadeira, e ainda terá dito: "Pois quê, o Miguel? O Miguel Torga? O Adolfo? Um tipo que eu adoro?" A sério, era verdade, não queria recebê-lo.
Coitado do Sartre, e ele veio lá dos infernos espreitar o Adolfo ao peito, trocar com ele ideias cimeiras sobre o destino do Mundo, para o indecente se negar assim a ter com ele um frente-a-frente fraterno. De certeza que o infeliz do Sartre meteu mesmo os seus empenhos para o outro não ser tão obstinado no seu ressentimento e quebrar na sua dureza nem que fosse por uns minutos históricos. Torga não cedeu. E ainda imagino que deve ter mandado dizerem a Sartre para meter o tédio onde muito bem deve saber, que nós cá na Lusitânia de Trás-os-Montes se temos tédio resolvemo-lo bebendo um litro.
Este Torga! Tão doce! Viveu quase um século a tratar todos os génios por tu. A fazer olhos tenebrosos e a clamar "sou rebelde! sou rebelde!". Pois quem julgava o idiota do Sartre que ia encontrar pela frente? Eram oitocentos anos de portugalidade, ò imbecil, que estavam metidos ali, nos ossos de Torga. Estava lá tudo o que somos e o que produzimos. Não é esta palhaçada. Era a coragem, a vontade, as tripas, o esófago e o barro. Eram bons deuses e espessura da mioleira para pensar.
Coitado do Sartre. Veio ele por aí abaixo, lá dos píncaros do Espírito até ao pedregal lusitano só para falar com o Adolfo. E o outro, muito trombudo, cerrado na sua obstinação: " - não e não. Esse é o tal que anda por aí a pregar o tédio vanguardista. Não o quero" O Torga. Que ternura!

quinta-feira, abril 19, 2007

desaparecendo (n)o amor I



“Sabes aquilo que se diz, a cara-metade? A minha cara-metade? E se a pessoa que nos completa é mais do que a nossa metade? Se sem ela somos um terço, ou um quarto, ou menos? E se a nossa cara-metade for bastante mais que a nossa metade? Se for demais para nós? E se em vez de nos acrescentar, ela nos tira?”

Filipe Homem Fonseca, Azul a Cores