quarta-feira, maio 30, 2007

uma forma de desaparecer III

Na grande maioria das vezes em que estou sem uma caneta (menos vezes sem papel) ocorre-me algo que penso dever escrever. Funciona isto de forma inversa em relação ás vezes em que possuo uma caneta (menos vezes com papel) onde nada me ocorre para ser escrito. (ainda escrevo tudo primeiro em papel e com caneta e só depois passo, o que é para passar, a computador).
Dou voltas à cabeça, percorro os labirintos cerebrais e os da alma em busca do que havia pensado (ou sentido) e ... nada. Nada. Nem o que havia pensado, nem o que havia sentido, nem imagens aproximativas disso e, pior que tudo, nem sequer labirintos.
Apenas há uma recta, povoada de luz e claridade e, por isso mesmo, apenas um vazio. Vazio que se rodeia de vazio.
Como toda a gente sabe: o difícil não é ser claro, ou haver claridade, o difícil é "aí" ocorrer o Sol.
Quando, tal como me acontece nas vezes em que possuo caneta (menos vezes com papel) tudo é de tal forma clara, ao ponto óbvio de nada existir, quando, dizia eu, não existe a possibilidade (porque ocorrer ou não é incontrolável) de fazer aparecer o Sol com a escrita deveremos ainda assim escrever? Penso que não. Ao menos eu desisti de escrever sem que essa possibilidade do Sol acontecer exista.
Porque escrever deve ser um conflito de luzes e sombras, de descidas e subidas, de um perdermo-nos na inútil tarefa de tentar compreender as coisas e o mundo. E de nos encontrarmos, ou alguém encontrar-se, na resposta, mais ou menos inquietante, à questão que nos fez começar a escrever. Ou seja, de nos encontrarmos, ou alguém encontrar-se, nesse aparecimento do Sol.
Eis porque penso que não se deve escrever quando se está como eu estou: com um vazio rodeado de vazio, sem um (ao menos um!) labirinto expressável, fosse do cérebro ou da alma; apenas com uma estúpida recta de...nada. Em resumo: sem a mínima possibilidade (porque ocorrer ou não é incontrolável) de acontecer "aqui" o Sol.
Eu, de escrever nesta forma, desisti. O que, por fim, demonstra o meu bom senso.
E, no entanto...
E no entanto estou aqui a escrever.
Não se deixem confundir: eu desisti mesmo (tal como de outras coisas da vida). Eu tenho, por fim, bom senso.
Eu desisti. Apenas (tal como de outras coisas da vida) não resisti.

2 comentários:

Anónimo disse...

Gostei bastante deste texto, Rui. Talvez porque me 'toque' particularmente...de qualquer modo, espero que continues a resistir, ainda que tenhas desistido:) Por vezes há surpresas boas..

NSN disse...

Resistamos, porque en la resistencia ante las situaciones de emergencia está el ímpetu de la revolución, que el mismo que el ímpetu de la vida.
Siempre habrá algun papel donde dejar los trazos.