
Sexta-feira santa (para os católicos). Morte de Cristo.
Outra forma de dizê-lo: morte do Amor.
Poderia ser, "paganizando" mas não demasiado, morte de quem se ama.
Morte, por isso também, da mulher amada.
................................................................
Quando morreres chorar-te-ei a sério.
Aproximar-me-ei do teu rosto para beijar com desespero os teus lábios num último esforço cheio de presunção e de fé, para te devolver ao mundo que te terá relegado. Sentir-me-ei ferido na minha própria vida, e considerarei a história e o tempo partidos em dois por esse teu momento definitivo. Fecharei os teus surpreendidos e renitentes olhos com mão amiga, e velarei o teu cadáver esbranquiçado e mutante durante toda a noite e a inútil aurora (que te não terá conhecido). Retirarei a tua almofada, os teus lençóis humedecidos.
Eu, incapaz de conceber a existência sem a tua presença diária, hei-de querer seguir sem dilação os teus passos ao contemplar-te exânime. Irei visitar o teu túmulo, e falar-te-ei sem testemunhas do alto do cemitério após ter subido pela encosta e ter-te olhado com amor e cansaço através da pedra inscrita.
Verei antecipada na Tua a Minha própria morte, verei o Meu retrato e então, ao reconhecer-Me nas Tuas feições rígidas, deixarei de acreditar na autenticidade da Tua expiação por ela dar corpo e verosimilhança à Minha.
Porque ninguém está apto para imaginar a sua própria morte.